Bajado

Um artista de Olinda

Dim 30 novembre 2014
Index Brasil

Entrevista em 17-07-80

Bajado page 3

Aqui, Sras., Srs., Srtas. Bajado, um artista de Olinda. Comecei em Catende, nasci em Maraial. Vim para Catende, e de Catende, eu aprendi a fazer cartazes. O meu primeiro emprego foi em cinema. Aprendi a fazer cartazes, e então tinha um pintor lá, e eu sempre reparava ele pintar, e eu digo : «Isso eu faço também». E continuei. Quando o pintor saiu, ai eu fiquei fazendo cartazes, e fiquei em cartazes até … muito tempo. Os patrões que gostavam muito de mim Alvaro Valença e Sílvio Valença, eram os donos do cinema de Catende, Cinema Edson. Hoje se chama Guarany.

-Qual era a época ?

Foi em 20, 25 prá 26, 27, 28.

-Você fazia como, via o filme antes, ou pelo titulo…

Não, os cartazes é… Uma comparação. O filme era hoje, aí ele pedia e eu fazia : «Hoje, grande filme».

-Fazia só a letra ou desenhava também ?

As letras só as letras. Então em talão de Bicho eu gostava de fazer estorinhas em quadrinhos. Aprendi a fazer, fazia e vendia naquela época mais ou menos por 1 tostão, 2 tostões. E fui… E passei uma porção de tempo empregado naquele cinema Pintava em Catende, fiz diversas pinturas na minha infância ainda tem artiste. de meu punho, que eu trabalhava, nas minhas estórias em quadrinhos.

-Ainda tem lá as estórias ?

Eu penso que não. Faz muito tempo mesmo. E então eu cheguei, quando foi um dia, ele disse : «Bajado, olha. eu vou vender o cinema, tu quer prá Recife com a gente? a gente bota você num colegio, lá num estudo, Seus desenhos — você aprende alguma coisa». «Vou, se é prá aprender eu vou, eu vou conhecer o Recife». Eu tinha vontade de conhecer o Recife porque eu vi muito nos filmes. Gostava de cinema e gosto. Cinema naquela época prá mim era tudo.

-Era mais o que, bang-bang ou…?

Era faroeste Então tinha uns filmes sentimentais que eu gostei muito. Os filmes daquela época eram em series — seriados : «O Homem da Meia-Noite», que era de Jaime e Roberts, «O Homem Leão», «Os 4 Agentes Secretos» que era de Diepolo. Teve outro filme, «Jurando Vingar», já foi um filme brasileiro, naquele época. Ai, já sabe. Quando ele passou lá, foi um sucesso, porque tinha um camarada que era de Catende — Edson Chagas. Passou também «Retribuição». E teve uma fita que eu tou esquecido do titulo, que o artista principal era Barreto Junior.

Mas foi em Cinema mesmo que eu aprendi a desenhar. Eu sempre fazia, é urna coisa que vem da gente mesmo. Ainda hoje, se eu tivesse estudado, tudo, «tantan-tantan», eu penso que eu hoje era um sucesso. Porque o que eu faço é meu mesmo. Tanto que esses negócios que eu faço é criação minha mesmo.

Bajado page 4

Eu vim praquí a primeira vez foi em 28 prá 29. Tive lá no Derby. Esse pessoal do Derby de Álvaro Valença, que me trouxe, tinha família aqui em Olinda. Chegou e disse «Bajado, ‘mbora prá Olinda». Digo: «’Mbora, tá certo».
-Tu vai conhecer esse açude grande
Eu não conhecia (ri) Digo : «Eu quero ver esse, como é.» -É um açude grande, grande mesmo. Digo : «Puxa !»

E quando cheguei aqui era o mar. Eu disse «Isso eu conheço de Cinema !». (ri) Aí fiquei… Eles botaram um negócio lá na Rua do Aragão, lá no Recife, que era uma Leiteria.

Bajado page 5

Bajado page 5

Bajado page 6

-Foi o primeiro painel seu ?

Não, lá eu fiz um letreiro. Mas aí mandaram eu tomar contar de lá do distrubimento do leite, mas isto não servia. Em 29/30, sei que eles me ajeitando, fiquei conhecido, fazia alguns letreiros por ali. E foi tempo que rebentou a Revolução, e quando foi um dia, antes de rebentar a Revolução me chamaram pra fazer uma caricatura. Aí Felix, que era um caricaturista, decidiu comigo, disse : «Bajado, inventa ai qualquer coisa.» Aí eu fiz. Era sobre Ramos de Freitas com Estácio Coimbra era o Governador do Estado e Ramos de Freitas era delegado de Polícia. Foi o maior policial de Pernambuco botou até hoje. Ainda não vi igual aquele…
E então, eu fiz um desenho, uma caricatura, e isso saiu no Jornal, Diário da Manhã.
Aí fiquei em Olinda. Sempre dava uns passeios por fora, demorava um pouco, voltava. Digo : «O lugar é Olinda».

-Mas você sempre viveu de pintura ?

Sempre-sempre. Desde quando a coisa tava ruim. Eu fazia meus quadrozinhos, tudo e então teve um tempo aqui, que eu disse. «Perai, eu vou ver se a coisa melhora mais pra mim». Aí fazia o Santa Cruz, os jogadores no meio do campo e uma cobra. Aí eu vendia. Teve uma vez que eu inventei um negócio aqui que até outros artistas inventaram aí também : Eu fiz um cabriolé - uma cobra assim com um charuto, um leão puxando, fazendo papel de cavalo (ri) e o timbú era o que ia guiando. Eu fiz essa caricatura e deu sucesso.

Aí fiquei aqui em Olinda. Me empreguei. Quando foi um dia, eu assisti um seriado de Jacques Terrin, foi «O Mistério das Montanhas», faroeste. Aí, que quando eu dou fé, um camarada - Luis Sardanha - chegou e disse : «Seu Vitor, o senhor não tá a procura de um letreirista para cartaz ?» Seu Vitor, disse : «Tô.» Disse : «O rapaz é aquele, Bajado». Aí me chamaram e eu disse : «Fui empregado do Cinema em Catende, já pintei por aqui também, no “Real” da Madalena, e se o Sr. quiser…»

Eu sabia o que era negócio de cinema, aí prontamente eu fiz, eles gostaram : «Tá bom, Bajado» Aí eu fiquei no cinema, pronto. Aí eu não paguei mais cinema (ri).

-Agora, o que eles pagavam por esses cartazes dava já prá viver com esse dinheiro ?

Não, não dava porque naquela época eu ganhava pouco, mas depois melhorou e o homen ficou me pagando mil reis por semana. Porque eu fazia até cenário de palco, teve diversos… Teve uma ocasião que chegou no Cinema. Grande Otelo, ele imitava Carmen Miranda dançado e cantando. Aí ele disse assim : «Ô rapaz, olha onde é que a gente pode tomar uma pingazinha aqui ?» Eu digo : «Oxente, ‘mbora». Naquele tempo eu bebia também, ai pronto (ri).

Bajado Page 7

E aí desse cinema eu fui ficando conhecido em Olinda. Aqueles letreiros que tém lá na frente, fui eu que desenhei. Aquele tipo de letra, eu inventei em 1931. Eu fiz, aí fizeram a planta, e aquele letreiro saiu em cimento.

E fiquei no cinema. Desenhava os cartazes, tudo. Quando não tinha o filme, eu chegava nos cafés para ver o retrato de Tom Mix, Bucky Jones.

-Bajado, quando você começou a desenhar tinha gente que desenhava também, que pintava, quando você era menino ?

Tinha esses lá de Catende, que era Firmino - que a gente chamava ele Nino. Era bom desenhista. Ele desenhava, eu ficava olhando.

- Na parede ?

Na parede. Ele ficava desenhando, eu olhava, ai quando terminava, eu ia fazer . Às vezes eu não sabia ler direito. Teve uma serie lá que o nome era «Luta de Gigantes» - foi uma drama. Ele desenhou o artista lutando, e quando terminou, eu cheguei e fiz direitinho, olhando e fazendo. Ele ai olhou e disse : «Oi, Bajado tais apreciando ?» Eu digo: «Oxente tudo que você faz aí, eu olho e vou fazendo».

- Você se inspirava em que para fazer as estórias em quadrinhos. Eram revistas, filmes, como era ?

Eu se tivesse estudado, eu penso que eu hoje era um escritor desses que fazem romances. Porque eu faço estórias. Naquele tempo eu inventava estórias de artistas; tudo era e artista de nomes meus, inventados por mim : William Tex, Manda, Jerry An. Isto é ; existiu Jerry An no cinema mudo, ai eu aproveitei. Alice Caiu foi inventado por mim. E Midoro.

- Eporque você usava nomes estrangeiros ?

Porque me baseava nos cartazes. Teve uma ocasião que eu fiz uma fita baseada na vida de Antonio Silvino, uma estoria. Foi no Cinema que eu fui ficando conhecido. Quando chegava essa época de política, ai eu era chamado para pintar. Eu pintei prá todo mundo. Só não gostei de pintar uma vez foi pro PC. Parece que foi em 35.

- Mas você chegou a sofrer alguma coisa, por ter pintado para o PC ?

Não, eu não cheguei a pintar não. Porque o PC naquelas épocas não era bem recebido por aquele governo que tinha por aqui. e ao mesmo tempo, era proibido. lidas que eu admirava muito, era o tal do Luis Carlos Prestes.

Bajado Page 9

- Voce chegou a ir algum comício dele aqui ?

PAGE 9

Não, porque… Mesmo naquela época eu não ligava muita importância pra essas coisas. Pintava prá todos eles. Inda hoje mesmo, aqui em Olinda, já teve diversos adversários politicos, tudo, diversos partidos: O PSD, a UDN… Sei que se falava muito em Aliança Liberal. Eu pintava prá todos eles. Chegaram e diziam: «Bajado faz um letreiro». Digo : «’mbora, vamos fazer.» Pintava as ruas todinhas. E eles me pagavam. Também. quando não pagavam : eu saia botando embaixo de cada letreiro: «Não pagou a Bajado». (ri) Inda hoje eu digo: «Oia mandar fazer qualquer coisa, paga a Bajado, porque ele bota embaixo…» Teve um político aqui, que eu pintei à vontade. E quedê dinheiro? Nada… Aí eu botei em cada letreiro: «Não pagou a Bajado». (ri)

—Tem muita gente que não paga, ainda hoje em dia, que você já esta conhecido?

Tem mesmo. Às vezes camaradagem, gente que eu conheço desde pequeno. Que eu tou até novinho, tô com 78 anos (ri). E eles mandavam fazer as coisas, agente chegava num bar, aí eu fazia o letreiro deles.

PAGE 10

— Bajado, tem algum tema que você prefere pintar ?

Ôme, depende ; porque eu sou meio triste, também, viu ? As vezes tem pintura, como a desse touro ; eu fazia, desenhava O touro, ai botava o letreiro : «É gordinho mas tem osso». (ri)

— As pessoas quando contratam você para fazer um mural, elas dizem o que você desenha, ou deixam a seu criterio?

É ; Faça o que você quiser, Bajado; eu quero um desenho assim, assado. Eu digo : «Bom» ai pronto, eu láço.

— E se a pessoa depois vem e diz: «Nao era assim que eu queria; eu queria que você mudasse um pouco…»?

Eu mudo. Na mesma ocasião eu transforme tudinho.

— Não lhe chateia não ?

Nao. Sobre isso, Graças a Deus, eu sou uma pessoa que… Tem uma coisa, Eu só tenho um pecado na minha vida. Hoje nao, mas a pessoa que me ofendesse, cuidado comigo amanha. A pessoa que me ofendia, eu dizia: «Êpa», agora me rindo, caçoando, tudo. E quando eu chegava, as vêzes, tava vingado, dizia: vdia, fulano; tamos iguais» llas fui bom amigo, como inda hoje sou.

— Que tipo de tinta você usa ?

Tinta, eu invento ela de qualquer maneira. Porque teve tempo que agente comprava um pedaço de cola e comprava a tinta, derretia a tinta na cola, misturava e fazia diversas cores. Mas hoje já tem um Coralmur, já tem essas tintas todas. Antigamente agente comprava um bocado de cale botava um pouco de cola, derretia e pronto, agente fazia os letreiros na rua, tudo. Quando enxugava, pronto. Não largava mais

— O material que você usava quando começou os letreiros, é o mesmo material que você usa hoje, ou você modificou?

Modifiquei. Muito. Porque hoje agente ja compra pronto. Agente já chega e diz: «Quero encarnado, quero vermelho, branco» Agente compra tinta oleo. Ipiranga, tudo. E tem muitas tintas ai que e agente que faz. Formando um mais claro, um mais escuro. E ai é na hora. Agente bota e clareia ja dando um amarelo aqui, bota mais um pouquinho de alvaiado. Naquela época era alvaiado, linha que misturar. Pra fazer tinta de parede, comprava oleo prá preparar. Botava secante…

PAGE 11

— Você pensa em pessoas, na hora que faz suas figuras?

Às vezes. Porque tem pessoas que a gente num instante pega a fisionomia deles. E tem outros que não. O simpático é dificil da gente pegar. Mas o camarada tendo qualquer coisa; um nariz grande, ai a gente num instante arranja.

Teve uma época, que o cabo eleitoral de Ademar de Barros era Augusto Lucena. Eu lui pintar prá ele e outro camarada, que me disseram: «inventa ai qualquer coisa, você não sabe inventar qualquer coisa não». Mas rapaz, eu fiz um quadro do tamanho duma parede dessa, um cartaz: o General Lott com a espada e Jânio Quadros com a vassoura: «Entre a espada e a vassoura, o vencedor sou eu».

E aí foi… Depois, foi tempo que Severiano Ribeiro entrou em negócio de Cinema ; morreram os patrões, que eram muito bons para mim. Eu digo: «Pronto, agora tá ruim mesmo. Morreram logo os dois, pai e filho». E foi o tempo que Severiano Ribeiro fez negócio com cinema, aí me perguntou se eu queria ficar. Eu digo: «Fico nada, eu quero mais saber de…». Fiquei com um dinheirozinho… Aí fui prá ltapissuma. Eu e um camarada botamos um cinema lá, aprontei o cinemazinho, tudo. Depois o camarada arrependeu-se, eu aí comprei a parte dele. E fiquei lá em Itapissuma com um cinemazinho que eu ainda hoje me sinto porque eu soube ser empregado, mas não soube ser patrão.

Page11

PAGE 12

Foi até que aquele deputado, Alcides Teixeira teve lá. Chegou, aí eu suspendi o cinema todinho, digo : «Agora ahora e você» Ele disse : «Mas Bajado, coisa e tal». Eu digo : «Não, oxente ; pode dar aí o seu espetáculo, pronto. Com o senhor, já sabe». Pronto. Ele passou uns dois dias lá em ltapissuma, com o cinema, no palco apresentando. Saiu-se bem. Mas deixa lá que eu não soube ser patrão…(ri). Chegava lá um conhecido : «Entre». Pronto. Via o cinema quase todo de graça…

Agora vendi tudinho e vim me embora práqui. Quando cheguei aqui, esse cidadão, que é italiano, apareceu lá — eu morava aí na estrada — apareceu lá perto Seu Baccaro. Chamam ele Giuseppe Baccaro. Apareceu lá e disse : «Que é que há» Vim comprar uns quadros seus». Digo: «Ta certo, tem uns quadrozinhos aqui…» Aí, de vez em quando, ele aparecia lá. Comprando sempre. Ele chegou e disse : «Olha, eu vou arrumar uma coisa para você. Eu gostei muito do seu serviço» Digo : «Tá certo, o que é» Disse: «h casa. Vou aprontar aquela casa, que eu comprei. Vou dar para você, você vai trabalhar nela, e pronto». Aí eu digo: «Tá certo. (Pronto, arranjei um homem agora !) (ri).

Aí, aprontou a casa, eu fiquei. Quando a casa tava pronta, remodelada, disse : «Pronto Bajado. A casa é sua. Você prepara seu trabalho e pronto. O que e que ta fallando ?» Eu digo: «Seu Baccaro, quer me emprestar 200 mil reis? Ele chegou e disse: «Somente» Digo: «Somente doutor» Aí ele me arrumou a mudança, tal ; a gente botou lá num carrinho e eu tou aqui até hoje. Isso em 72.

—Mas essa epoca você ja vendia muito?

Ah ! Vendia. Eu fazia quadros e vendia. Então quadros do Sta. Cruz, eu fazia quando tava liso. Eu vendia por vinte mil reis, o camarada revendia por duzentos.

—Quando é que você vende hoje, esse pequenininho?

É quatrocentos, quinhentos… Aí eu fazia. O esporte era um Leão. O Náutico um Timbú, com a bandeira na mão e os jogadores. Sta. Cruz era uma cobra e os jogadores.

—Com os quadros você fazia a mesma coisa que fazia no cinema? Você dá quadros, como mandava entrar no cinema ?

É. De formas que hoje, eu tou vivendo por causa disso. Tem ali umas encomendas que eu tou fazendo. E quadros, eu faço e vendo por 400, 500 mil réis, 600.

—Bajado, quando é que começou às pessoas lhe procurarem ?

Foi em 32, para painéis. Para pintura a mesma época ; eu pintava aqueles açougues todinhos.

Page 13

Bajado Page 13 1

Bajado Page 13 2

—Você pinta so, ou tem ajudantes para fazer os painéis maiores?

É eu sozinho.

—E quem e’ que compra mais os seus quadros, hoje?

Hoje, tudo o que eu faço, vou oferecendo a ele: «Seu Baccaro, olha aqui». Mas agora tem turistas que vêm, compram meus quadros.

—Voce sabe que seus quadros no Rio de Janeiro são vendidos a preço de ouro?

E. Eu sei que eu vendi um quadro aqui que um camarada pediu. Era «A Esmola do Ceguinho». Eram duas morenas assim na beira da praia, vão andando, uma bota uma moeda na bacia do ceguinho, e o eegumho: «O neguinho ta vendo tudinho. Quadro inventado por mim. Porque eu não gosto de imitar os outros. Tem gente que diz: «Olha ali, aquilo loi inventado por mim». Vai ver, e São José, Jesus o Menino c Nossa Senhora.

—Bajado, e os painéis, você tem feito?

Pra Carnaval, quase todo ano eu faço. Na época de Carnaval eu sou procurado… «O Homem da Meia-Noite». quem pintou foi en, aqui nesse Carnaval, que eu pintei tudinho. Paineis de açougue ; as vezes tem cenários para paisagens, prá cinema, prá isso, prá aquilo outro. Às vozes me chamam, eu pinto a casa do camarada toda. Agora ultimamente eu so tenho trabalhando em casa.

-Bajado, você vê os trabalhos que o pessoal mais moço tá fazendo ai em Olinda, nas Galerias?

En olho assim, ai… «Tá bom, Bajado» Digo: «Tá bom», aí vou me emhora. Inda hoje mesmo eu fui convidado prá uma exposição, mas eu não quis mandar meus quadros. Porque às vezes a gente leva os quadros, que quando foi passado aquele periodo, prá gente receber os quadros é um sacrifício.

Bajado Page 14 1

Bajado Page 14 2

PAGE 15

Tem um dizerzinho que diz: «Primitivo». De formas que hoje me chamam «Bajado o Rei dos Primitivos».

—E o que é que você acha disso?

Ome, eu até esqueci, porque eu náo acredito em ninguém. Isso ai sou eu mesmo. Faço criação, tudo. Ninguém me ensinou.

-Você falou em Félix…

Esse ja foi o caricaturista. Foi naquelas épocas. Ele pintando, quando eu chegava, às vezes, naquela epoca, eu encontrava gente desenhando. Como eu encontrei um camarada, lá na Encruzilhada - que esse camarada foi criador do «Amigo da Onça» - foi Felix, lá na Encruzilhada. Eu cheguei, digo: «Épa ! O senhor pinta também ? Eu também faço umas letrazinhas… A gente começou fazendo uns negocios. Ai eu cheguei e disse : «Eu tenho tanta vontade de aprender isso…» Ele chegou e disse: «Ah ! Isso a gente já nasce com ele». Eu disse: «É isso ai». Ai eu cheguei e fiz uma caricatura. Ele chegou e disse: «Você tem ate jeito». De lormas que a gente foi inventando uns negocios, ai eu imaginei e disse: «Peraí que eu vou fazer um camarada com os lábios pequenos, os olhos grandes», ai eu fiz. E saiu parecido com o Amigo da Onça. Ele ai’ chegoue lez outro também. Eu disse: «Opa !»… Pois é… Ai ele chegou e disse: «O amigo», Ai eu peguei e disse: «De Onça», não.

Mas deixa lá que ele guardou. E quando foi no cabo de uns dias, eu vi no jornal.

—Quer dizer que você participou da criação do Amigo da Onça?

Foi, mas… Deixa lá ue a rova ue eu tou lhe dando cessa.. Mas foi ele já quem inventou, fez diversas criações e tudo.

—E Germano Coelho, já lhe pediu algum trabalho?

Germano eu trabalhei para ele. Eu fiz diversos serviços. Boa criatura.

—Voce fez algum painel na Prefeitura?

Eu trabalhei já na Prefeitura. E em negócios politicos, eu venho trabalhando bastante. E trabalho prá todos quase de graça.

—A decoração do Carnaval, você recebeu por ela?

Recebi. Às vezes eles me pagam mal, mas… besteira. Eu trabalho prá eles porque eu gosto de Olinda.

PAGE 16

Bajado Page 16 1

Bajado Page 16 2

—Qual é o teu painel mais recente?

O mais recente foi o do «Homem da Meia-Noite», no Carnaval. Aqueles dois carros-alegóricos.

—Bajado, você trabalha todos os dias?

Todo dia. Sábados, domingos, feriados e dias-santos.

—As coisas que você gosta mais, você guarda ?

Não, vendo. Até já me disseram que eu fosse quardando, porque para o futuro da mais dinheiro. Então, tem um dizer ai que o pintor so tem valor depois que morre (ri).

PAGE 17

—Bajado, você tem muitos quadros de D. Hélder, não é ?

Eu gosto muito de D. Hélder, Desde que ele chegou aqui, eu faço cartazes dele e vendo. Quando chegou um dia, ai um outro Padre chegou e disse; «Olha faça um quadro prá D. Hélder». Eu fiz o quadro prontinho, e ele veio me conhecer : «Oi, D. Hélder, é esse o camarada que faz os quadros, bota o Senhor, e quando acabar, vende». Aí D. Hélder virou-se prá ele e disse : «É isso. Voce também não compra imagem de Jesus e vai adorar ?» Aí eu cheguei e disse: «Boa D. Hélder».

Tem um quadro que me encomendaram, que eu vou fazer D. Hélder com o Papa brincando na frente da Sé. (ri)

—E verdade que você ja trabalhou em teatro?

Trabalhei, sim. Foi uma ocasião ai — no Teatro de Zé das Tranças — e era prá representar Olinda ; então aparecia o camarada lendo ali, umas moças chegavam e então o camarada - que fazia o papel de Duarte Coelho - tinha uma passagem que ele perguntava a um índio: «Que queres, indio do Brasil ?» Prá o índio dizer: «Uma Olinda melhor, um Pernambucano, um Brasil melhor»… E o camarada faltou. Eu era letreirista desse Cinema, ai disseram : «Bajado, vem práqui representar o índio. Queres fazer o papel ?» Eu disse: «Quero.
–A gente dá a você dez mil réis. O rapaz não vem, você se veste de traje de indio». E eu fazendo jeito logo de Pele-Vermelha. Bom : Ai, quando abriu a tela, eu de vez em quando — enquanto não chegava a minha vez — eu ia lá, no bar do Luis tomar uma lapadinha. Cheguei lá, todo alegre. «Já sabe como responder, não é ?» Digo: «Já, oxente». Ai, deu-se assim:
«E tu, que queres, indio do Brasil ?»
E eu digo: «O quê ?»
«Que queres, indio do Brasil ?» Eu digo: «Eu quero os meus dez mil reis» (ri) Mas menino… Não prestou não.

Entrevista realizada por

Revista Vidas Secas, N°2, Set-Out-Nov 1980.

Vidas Secas Capa